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Escrito por FONTE: Diário do Nordeste   
Qua, 21 de Abril de 2010 00:00

 

 

Centenas de cearenses juntaram-se aos milhares de operários do País para construir a nova capital do Brasil

Brasília. Quando o presidente Juscelino Kubitschek decidiu construir a capital do País no Planalto Central, muitos cearenses se animaram com a oportunidade para mudar de vida. Pedreiros, carpinteiros, ajudantes de obra, agricultores, comerciantes, fotógrafos. Um contingente de 64.314 candangos que trabalharam febrilmente na construção da futura cidade.

A maioria saída do Nordeste, principalmente do Ceará, Maranhão e Piauí. De minha cidade, Ibiapina, ainda menino acompanhei a saída de ônibus e caminhões. A força jovem do interior do estado transportada em pau-de-arara, sem o menor conforto. Dias e dias de viagem em estradas esburacadas em busca do desconhecido. Deixaram com as famílias a esperança de um dia poder chamá-las para morar na cidade que ainda nem existia.

Vi meu tio Oséas saindo com os dois filhos mais velhos. Lembro também do dia em que voltou para pegar a família. Vestia calça cáqui de brim e calçava botas de canos longos, sujas de poeira, que ele dizia ser da obra.

Quando cheguei aqui alguns anos depois ainda senti a poeira de Brasília, vermelha e fina, que o vento levantava em redemoinhos e espalhava por toda parte.

A saga desses operários em construção da nova Capital Federal não foi fácil. Acomodações precárias, trabalho diuturno, sem conforto, sem diversão.

O encarregado da construção, Israel Pinheiro, disse um dia que a obra que deu mais trabalho foi a do Congresso Nacional. A sede do Poder Legislativo é quase uma cidade.

Câmara e Senado com seus blocos de 28 andares em formato de H tinham tantos operários, que para transmitir as ordens foi instalado um sistema de alto falante. Depois das coordenadas e mensagens sobre turnos de trabalho, distribuição de tarefas, os engenheiros mandavam tocar música clássica para diminuir o estresse, acalmar os ânimos de todos.

Faltando poucos dias para a inauguração, Israel Pinheiro entrou em pânico, com medo que a obra não ficasse pronta. Foi quando teve a ideia de tirar a música clássica e colocar no sistema de som o ´Tico-tico no Fubá´, de Zequinha de Abreu. Aí todo mundo passou a trabalhar no ritmo animado do chorinho e o Congresso foi inaugurado junto com os outros prédios.

No entanto, o que mais atrapalhava a permanência dos cearenses em Brasília era a saudade da sua terra natal, dos parentes que lá ficaram. O jornalista Clemente Luz veio de Minas e ganhava a vida escrevendo cartas para as namoradas, noivas e esposas dos candangos. Arranjou uma mesa e um tamborete e ficava na Cidade livre, perto do mercado, anotando (e às vezes melhorando) o que eles lhe ditavam, reproduzindo o sentimento puro e verdadeiro daqueles homens iletrados.

"Mulher - contava Clemente Luz- já saí do alojamento e agora estou morando numa casa que fiz com duzentas sacas de cimento". A mulher não pensou duas vezes. Vendeu tudo que tinha e se mandou para Brasília. Tamanha foi a surpresa quando descobriu que a casa existia, só que de papelão, construída com 200 sacas de cimento vazias. Um barraco que lhe serviu de abrigo, a ela e aos filhos, enquanto durou a obra.

Heróis anônimos


Nos 50 anos da cidade, fala-se com justiça no presidente Juscelino Kubitschek, o JK, no urbanista Lúcio Costa, no gênio imortal de Oscar Niemeyer, no paisagista Burle Marx, em Israel Pinheiro, Bernardo Sayão e nos milhares de candangos, os verdadeiros heróis dessa epopeia. Quem são, quantos foram? Não há registro dos nomes. Trabalhavam para empresas de construção que trocaram de dono, de cidade ou já não existem.

Passado meio século, uns tantos já morreram, outros voltaram para o Ceará, mas alguns ainda estão por aqui, anônimos, vivendo numa das 30 cidades satélites do Distrito Federal, onde curtem as lembranças do tempo em que tudo começou e do duro que deram para erguer a sonhada cidade monumento.

Mas como soldados na guerra, viraram heróis anônimos. Seu feito de bravura é que garantiu a vitória final, e hoje é história compartilhada apenas pelos familiares, os amigos mais íntimos. Como na guerra, o herói anônimo que saiu do Ceará e veio com toda a sua energia misturar seu suor a cimento, cal, pedra e tijolos, para transformar isso tudo em Brasília.

Esses heróis anônimos são lembrados hoje no principal logradouro da Capital Federal, ao sacrifício dos que trabalharam na construção.

Está lá na Praça dos Três Poderes, quase em frente ao Palácio do Planalto, a escultura em bronze do artista plástico Bruno Giorgi, altiva e esguia nos seus oito metros de altura. Ele a batizou de Guerreiros. O povo veio por trás e apelidou de Dois Candangos, numa homenagem simbólica ao sacrifício dos que trabalharam na construção.

A estátua é a lembrança permanente dos cearenses sem medo, que largaram seu chão rumo ao Planalto Central atendendo ao apelo de JK, sonhando com o Eldorado, a terra prometida onde jorrava leite e mel como no sonho de Dom Bosco.

O cearense candango sem nome, mas que deixou na construção da cidade de Brasília a marca de sua mão e de sua esperança.

Contingente

64 MIL pessoas entre pedreiros, carpinteiros, ajudantes de obra, agricultores, comerciantes e fotógrafos participaram febrilmente na construção da Capital Federal

MISSÃO CRULS

A pré-história da edificação de Brasília missão cruls

Foi no governo do marechal Floriano Peixoto, em 1892, que deu-se a criação da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil. Sua missão era demarcar a área de 14,4 mil km2 destinada a sediar a futura Capital do País, como estava previsto no Artigo 3º da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. O astrônomo belga Luiz Cruls, naturalizado brasileiro, foi encarregado de chefiar a Comissão constituída de geógrafos, agrônomos, engenheiros, médicos e militares. Batizada de Missão Cruls, seus 21 membros saíram do Rio em 9 de junho de 1892.

O jornalista e historiador goiano Jarbas Marquês lembra que o movimento pela transferência da Capital do litoral para o centro do Brasil teve suas origens quando o Rio de Janeiro foi invadido pelo pirata francês Jean François Duclerc, em 1710. Naquele tempo, Marques de Pombal idealizou a cidade de Nova Lisboa. Longe do litoral, em pleno Planalto Central.

O jornalista José Hipólito escreveu no seu "Correio Braziliense" um artigo em que defendia a capital do Império no centro do País. A transferência também foi defendida por José Bonifácio de Andrada. O Patriarca da Independência escreveu: "Parece-me muito útil que se levante uma cidade central no interior do Brasil para assento da Corte da Regência."

Até os nordestinos, que se envolveram com o movimento revolucionário Confederação do Equador, queriam "fundar em lugar fértil, sadio e abundante de água, uma cidade central que, pelo menos, distasse 40 léguas da costa do mar".

Com o passar do tempo, muitas outras manifestações ocorreram em favor da mudança da capital. O senador João Lustosa da Cunha apresentou projeto propondo a transferência do Rio para Monte Alto, no interior da Bahia. O Artigo 3º da Constituição de 1891 dizia: "Fica pertencente à União, no Planalto Central. Uma zona de 14,4 mil quilômetros quadrados que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura capital federal".

Foi o marechal Floriano Peixoto que pegou o pião na unha. Criou a tal missão Cruls que foi do Rio para o Planalto Central fazer a demarcação. O marco deixado pela Missão está até hoje em Planaltina, município goiano, que hoje faz parte do Distrito Federal.

Foi o presidente Juscelino Kubitschek que no dia 18 de abril de 1956 assinou a mensagem de Anápolis, encaminhando ao Congresso Nacional o projeto de lei nº 2.874 criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital. A Novacap começou a construir sua sede onde hoje fica a região Administrativa da Candangolândia. Foi de lá que Israel Pinheiro começou a implementar o plano piloto de Lúcio Costa. (Wilson Ibiapina)

 

 
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